8/04/2017

Triângulo

Ela desceu do carro que ofereceu-lhe carona e correu pela calçada, protegendo-se da garoa com uma pasta na cabeça. Tocou a campainha. O portão se abriu sozinho, ela entrou e correu até o elevador. O ex-marido Abel lhe esperava na porta do apartamento 37.
-Entre, por favor.
-Obrigada.
-Um chá? Café? Água? Vodca?
-Não, obrigada. Você sabe que eu não quero demorar.
-Pelo menos sente no sofá.
Ela preferiu ficar na poltrona. Ele no sofá ao lado. Debbie sabia que Abel tentaria flertar uma última vez antes de assinar os papéis do divórcio.
-Apenas assine, tudo bem?
Ele acendeu um cigarro.
Não, Debbie não aceitava um cigarro. E sim, estava tudo bem com Roberto, o rico e atual namorado de Debbie.
Por incrível que pareça, ele simplesmente se levantou e assinou os papéis.
-Antes de ir embora, quero te entregar uma coisa.
Abel se levantou e foi para seu quarto. Voltou logo em seguida, com uma das mãos fechadas. Parou na frente dela e estendeu a mão.
-Meu anel!
-Eu encontrei por baixo do pé da cama, enquanto fazia uma faxina. Não tenho ideia de como ele possa ter parado lá.
O anel fora o último presente que Debbie recebera do pai, minutos antes de sua morte. Mas o anel era um pouco largo, e Debbie precisava usá-lo no polegar. A primeira vez que aquele Anel caiu das mãos da garota, um rapaz o pegou e correu atrás dela, aos gritos, para devolver. Três anos depois eles estavam casados. No mesmo ano, o anel desaparecia misteriosamente enquanto transavam. Diziam que o anel sumira por ter terminado seu trabalho, de unir os dois. Dez anos depois, aos vinte e oito, Debbie levava os documentos do divórcio para ele assinar e o anel reaparecia.
-Acho que aceito um copo de água.
Quando ele voltou com o copo, ela tinha mudado de ideia. Preferia Vodca. Quarenta minutos depois do aparecimento do anel, estavam ambos nus na poltrona.
Engolindo o choro, Debbie pegou os papéis assinados, colocou dentro de sua pasta e saiu, indo embora num táxi.
-Taxista! Mudei de ideia. Pare ali na frente daquele bar.
Pagou o taxi, deixou o troco como gorjeta. Ela entrou no bar e pediu outro drink.
...
Quando Debbie foi embora, Abel pode chorar as lágrimas que tinha vergonha de chorar na frente dela. Trancou todas as portas, como era de costume, fechou as janelas, e colocou um disco tocar. O disco, assim como o anel de Debbie, fora um último presente de um pai agora morto.
Ne me quitte pas, Il faut oublier, Tout peut s'oublier Qui s'enfuit déjà”
Sentou se no sofà, ao lado dele, uma garrafa de vodca já aberta. Virou a garrafa e acendeu outro cigarro.Apagou.
Minutos depois, Abel acordou com um barulho estranho. O mesmo ruído de uma mangueira em alta pressão. Um cheiro desconfortável podia ser sentido. A casa estava toda escura.
O homem levantou-se, zonzo. Tentou abrir uma das janelas, mas algo impedia. Não tinha forças para isso. Seus olhos tentavam involuntariamente tremiam e ardiam. Abel andou pela casa, cambaleando, trombando nos móveis, e com cada vez mais dificuldade para respirar. Desconfiou que fosse um vazamento de gás, e tentou entrar na cozinha. Mas no cômodo estava tudo bem, apesar do cheiro forte já ter dominado toda a casa. A instalação de gás estava intacta.
Abel cambaleou de volta pra sala, onde o ruído era mais forte. Com fraqueza derrubou e empurrou móveis, mas não conseguia descobrir de onde vinha o gás que o intoxicava. Os músculos de Abel tremiam. Não podia ficar ali. Correu para o banheiro, e teve uma ideia.
Trancou a porta, e virou-se para a Janela.
Seus olhos ardiam
A visão estava mais turva do que o álcool poderia deixar.
Tudo girava muito rápido.
Era só abrir a Janela e respirar ar limpo.
Debruçado na pia, Abel vomitou. Vomitando, ficava sem ar. Quando tentava inspirar o ar pela boca, o vômito saia. Abel caiu ao chão, e o vômito escorreu pelo rosto. Ficou ali, imóvel, mas ainda consciente, até que uma última bolha de ar passou pelo vômito e produziu um estalo.
...
No apartamento ao lado do de Abel, uma velha surda assistia ao jornal. As letras brancas em fundo preto apareciam com um minuto de atraso, mostrando o que dizia o jornalista.
“O rico empresário Roberto Kirk foi encontrado morto em seu apartamento, ao lado do corpo de sua namorada Débora Nassar. Por enquanto a única pista da Polícia é um anel masculino encontrado por baixo da porta.”